Quando fiz faculdade não me permiti muitos arroubos de viagens e festas como faziam a maioria dos alunos do curso de arquitetura. Viviam em baladas, em congressos que sabíamos eram mais para farrear que praticamente estudar. Enfim, eu tinha outras importâncias na vida no momento como trabalhar para pagar meus estudos.
No ultimo semestre antes do termino do curso resolvi que faria uma matéria optativa que nos levaria a Brasília. Não havia melhor maneira de conhecer a capital que levado por professores experientes aos quais tinha grande amizade acadêmica.
Mas como era viagem de estudantes, claro buzão pra levar. Os professores e mais 2 ou 3 alunos nojentos foram de avião para deixar tudo organizado com hotel e roteiros. A viagem foi aquela que fumaram tanta maconha que o ar condicionado ficou empesteado, e como as janelas eram lacradas, cai num sono profundo que me proporcionou que uma viagem de 14 horas se transformasse em 1 hora.
Brasília é linda.
Conheci varias embaixadas, palácios e prédios desenhados por Niemeyer e respirei arquitetura moderna até me sufocar.
Numa das tardes sem muito que fazer, ja cansados, resolvemos conhecer o Teatro Nacional. Um prédio em forma de Piramide também desenhado por Niemeyer com ajuda de Burle Max e outra definições técnicas que não cabe ao post.
Andamos pelos corredores, coxias, casa de som e quando nos aventuramos pelos camarins deparamos com algo inusitado que nunca mais esqueci.
Num ambiente branco como comercial de molico iluminado por lâmpadas brancas com moveis brancos havia um impressionante elmo dourado repousando sobre uma mesa de centro. Estávamos num grupo pequeno por que os outros seguiram adiante. Chegamos perto para ver o objeto quando interpelados por uma senhora estacamos. Sem graças perguntamos sobre o elmo.
Pertencia a Ney Matogrosso que estava em turnê por Brasília e apresentaria seu ultimo show naquela noite.
Nunca fui fã de Ney Matogrosso. Lembrava das muitas vezes que minha mãe foi ao seu show aqui em Campinas, e como o amava, não fugindo a regra de toda mulher de meia idade que adorava o cantor por sua forma irreverente e gay. Lembro dela contando quando dançava de bunda de fora fazendo o ginásio vir abaixo. Mas isso acontecia nos meandros da década de 80.
Mesmo não sendo fãs, imediatamente nos vimos tietes querendo saber onde estava o cantor, como ele era e bla bla bla, quando recebemos do produtor a resposta que Ney estava chegando para passar o som. Ao saber informações de quem éramos nos convidou a ficar na platéia ouvindo-o testar a sonoridade da casa naquela tarde. Putz...imediatamente corremos para o local e la ficamos com a promessa de não falar com ninguém, não fotografar, aplaudir, para não atrapalhar o artista no seu trabalho.
Ney entrou mirrado da forma que é, magrinho, vestindo uma calça jeans, camiseta branca, comendo uma maça. Parou e nos olhou sentados. Cerca de 15 jovens forçadamente quietos. Só pudemos ouvir a voz de nossa professora dizendo: lindo!!!
A banda riu, Ney riu...e nós obviamente nos calamos mais.
Um show...simplesmente um show. Passou 5 musicas, fez comentário com a banda, o iluminador e deu umas broncas no produtor. Antes de deixar o local com tímidos aplausos nossos veio se agachou na ponta do palco e perguntou quem éramos. Nos desejou sorte com o curso e sorriu simpático e meigo, e se foi para a coxia. Parou, falou com o produtor, apontou para nós e saiu. A primeira impressão foi: o cara ficou puto de deixarem a gente aqui. O administrador do teatro já vinha nos enxotando grosseiramente quando o produtor gritou do meio do palco: Oh fulano...o Ney mandou dizer que o pessoal aí são seus convidados. Se tiver poltrona acomode-os, senão acredito que não irão se importar de sentar nas escadas.
Ficamos com cara de “hã?”
Saímos, fomos comer algo e voltamos depois dos pagantes do teatro terem se acomodado. Bendito Niemeyer que projetou um teatro tão confortável nas escadas quanto nas poltronas.
Em menos de meia hora a casa se apagou, lotada, e uma imagem vestida com um traje todo de franjas brancas surge com um Elmo dourado na cabeça brilhando como um raio de sol. Ney estava de volta com o mesmo tipo de show que minha mãe assistia há duas décadas antes. Na primeira rodopiada, eis que surge sua bunda, totalmente desnuda....a casa veio abaixo. Gritos histéricos das mulheres presentes.
Não houve duvida entre nós jovens, pós adolescentes: Ney Matogrosso era o cara.
Me tornei um fã pela obra musical, pela capacidade e domínio incríveis de palco que tem e por sua imensa generosidade de nos proporcionar um show gratuito. Na época com 58 anos, mas uma disposição invejavel, um bailado que impressionou a todos. Senhoras já na 3° idade o agarravam, beijam seus pés quando cantou “exagerado” de Cazuza deitado na escada de acesso ao palco se deixando apalpar pelas velhinhas.
Por isso quando vejo um artista ser simpático, amável com o publico, sem modéstias, digo: esse sabe ser artista.
Ney Matogrosso sabe. E pouco valor se dá ao grande interprete da nossa MPB. Nesse mesmo show fez sua primeira homenagem a Cazuza cantando “Poema”, musica inédita até então dada a ele de presente por Lucinha Araújo.
É assim que se constrói um ídolo.
E Ídolos não tem sexo.
abração
16 comentários:
Rafa, bom dia!
Dizem que o Ney foi namorado do Cazuza por muito tempo e que o amava muito ...
Minha mãe também era sua fã e nos shows que assistiu dele, sempre comentou conosco, que quando se assiste Ney Matogrosso no palco, jamais se esqueçe de sua brilhante presença, do artista completo que é.Que seu corpo fala tanto quanto sua voz e que a intepretação transforma meros expectadores em fãs!
Adorei o post, bonita homenagem...
Beijo.
Eu sempre adorei o Ney, exatamente por tudo que ele representa. Ele surgiu, cantou e se apresentou de um jeito que na época era um verdadeiro escândalo! Eu gosto de gente assim e sempre vou gostar, gente que abre caminho! Gente a frente do seu tempo! Sem contar o talento dele!
Beijocas
eu o conheci pessoalmnte
é incrível que aquele homenszinho pequeno, magrinho possa ser IMEEEEEENSO no palco
adoro Ney, um dos raros talentos brasileiros que ainda persistem
Fala Rafael!
Ney é otimo! Desde Secos e Molhados, não sou um super fâ dele, mas o cara é o cara!
Rafael,
Ney é único!
Eu também sou fã dele e nem ligo quando riem da minha cara por isso.
Muito legal essa história, só me faz admirá-lo mais ainda.
Beijo grande!
A sua história apenas reforçou o que já pensava do Ney Matogrosso. Nunca fui a um show dele, mas tenho profunda admiração pela inconfundível voz, pela coragem e pela discrição com que ele leva sua vida. Um beijo, Karina.
Não sou muito fã, mas reconheço que se trata de um grande artista. E quando tudo isso é associado a um cara que sabe com cativar os fãs, fica melhor ainda.
QUE POST! Adorei! Ah, também acho que ídolos são ídolos, sem sexo, sem preconceitos, com um amor incrível com aqueles que estão ali pra vê-lo! Recentemente, uma amiga me contou que uma certa cantora foi super sem educação durante TODO o show e, quando acabou, ainda teve a audácia de não aparecer pra falar com os fãs, tirar fotos etc. Aí começaram a chamar o nome dela. Acredita que ela VOLTOU ao palco e mandou DEDO pros fãs?! Sério, isso é imbecil.
Sempre fui fã de Ney Matogrosso... mas não pelas suas músicas... e sim pelas suas atitudes... e só de pensar que um cara já enfrentava a recriminação popular e inclusive de seu pai... um militar duríssimo... ele sobe considerávelmente no meu conceito...
Mas lembro-me de uma vez que vendo um LP... quase morri quando abri o encarte... e lá estava uma foto dele de nú artistico... simplesmente uma foto incrível!!!
Se existe um artista de personalidade... esse artista é Ney Matogrosso!!!
***
xD
Sou APAIXONADA PELO CARA. Tenho todos, eu disse TODOS, OS CDS dele. Inclusive o último, bom pacas. Apesar de ter só 23 anos, pude conhecê-lo pelos meus pais bem cedo.
Quem vê um show do Ney nunca mais esquece! É um tremendo artista no palco e é BRASILEIRO. Mais que cantor ou compositor, ele é uma obra de arte com gestos, olhares...tudo é tão intrigante e fascinante nele!
Haha...deixa eu parar, pq se for pra falar do Ney, eu vou longe!
Mais uma coisa boa aqui que compartilho com vc: o gosto por música boa da mpb.
Não sei sua mãe tem, mas se não tiver, vai atrás do DVD "Inclassíficaveis" ou "Ney canta Cartola". São fantásticos!
Beijão, Rafa
E pq vc não ficou aqui em Brasília?
Tenho certeza que o brilho do cerrado ia ficar mais lindo com sua presença!
Bjãoooooo
Rafael, nunca fui fã, do Ney mas tenho uma das mais preciosas lembranças e é com ele. O primeiro show que assisti, em minha vida, foi um show dele, no Circo Voador, aqui no Rio de Janeiro com a aminha mãe e minha madrinha.
Esse momento ficará guardado para sempre comigo.
Um beijo
Quando estava no colegial (atual ensino médio), fizemos uma peça de teatro que continha a música "Rosa de Hiroshima", gravada por ele. Em casa ainda temos um LP do Ney, assim como algumas lembranças de suas performances. Não fui de acompanhar seu trabalho, mas assisti a muitas entrevistas na TV, tanto nacional, quanto aqui da minha região. E você tocou num assunto tão pouco falado: como se "nasce" ou "controi" um ídolo. Estou para postar algo do assunto também, que já está me coçano faz tempo.
É muito bacana estes encontros casuais que a vida nos coloca.
Tenho achado que você se dá muito bem com textos longos!!!
Abraço.
Marcelo.
Rafa, sempre gostei do ney, isso remonta a secos e molhados....rs...rs. Eu assisti esse show no canecão e foi incrivel, o cara manda bem mesmo.
Essas coisas tem um efeito marcante na vida da gente... e ele sabe disso... e deu aos pobres mortais estudantes essa canja...
Abçs
Sou assumidamente fã do Ney e qualquer coisa que eu diga não demonstrará a admiração que tenho por ele como artista e como pessoa. Queria mesmo é dizer que adorei o post, está muito bem escrito e mostra o Ney como realmente ele é. Parabéns!!!
Tenho medo de Brasília. Reza a lenda que em certas épocas do ano as pessoas sangram pelo nariz por lá...
O Ney, não sou muito fã do estilo de música dele. Mas quando o artista sabe ser simpático e tem carisma, sobe no meu conceito infinitamente. Assim parecem ser mais humanos...
Abraços Rafael!
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