VOCÊ ENXERGA SEU FILHO?


Faço parte de uma geração que foi adolescente nos anos 80, e por incrível que possa parecer, tínhamos uma visão inocente do mundo ao redor. Minha mãe frequentava os shows de Ney Matogrosso, que dançava seminu, com todos os trejeitos afeminados possíveis, e mesmo assim não o via como homossexual. O mesmo com George Michael, Freddy Mercury, Lauro Corona, Elton John, Renato Russo, e até mesmo Cazuza. Talvez tivesse outras coisas mais relevantes do que se preocupar com a sexualidade alheia.

O termo “gay” ameniza um pouco a forma de referência a um grupo gigantesco presente na sociedade de hoje.  Parece que há mais gays em 2020 que em 1990. Acredito que não. Hoje existe a liberdade de ser quem quiser ser, mesmo que parte do mundo ainda condene. Então aí vem o assunto que queria abordar. Apesar dessa liberdade, por que muitos ainda se escondem?

A maturidade dá a gente uma visão sem filtro do mundo que nos faz codificar e ler muitas pessoas a nossa volta. Identifico um gay (de ambos os sexos), se ele é assumido, se ele é enrustido, se disfarça, se quer esconder a todo custo, ou se auto designa dentro da vasta denominação de sexualidade de hoje. Confesso que algumas dessas referencias tenho dificuldade de compreender. Mas sei que são! Identifico e conheço muitos ao meu redor.

Não vejo necessidade das pessoas se esconderem atrás de religião, casamentos ou namoros, que tenho certeza naufragarão em algum momento da vida. Manter vida dupla é difícil, principalmente quando os filhos surgem na história. Vejo que o sofrimento de “se assumir” ganha uma proporção gigantesca quando as crianças começam a ter noção do mundo. Essa coisa de se manter preso no armário gera tanta infelicidade que tudo em volta perde a cor.

Mas qual o momento de viver livre? Não existe data para isso, por que não há regra. Cada pessoa sabe o momento certo. A única coisa que penso, é que se enganar não leva a nada. Haverá o momento, e esse é único e exclusivo da pessoa. Ninguém pode forçar o outro a sair do armário. É imoral, desumano, criminoso, expor alguém antes que esteja pronto para isso. Existe tempo dentro da cabeça de todos para auto aceitação. Só depois, quando tudo estiver sincronizado, a pessoa terá coragem e força para enfrentar olhares e risadinhas alheias.

Não vou me ater a aceitação de família, nem ao clichê de que filho é filho independente da sexualidade por que isso é obvio, é um assunto que não se discute. Ninguém se torna menos filho por ser gay. Não vivemos mais na idade média. O mundo está escancarado na nossa frente. Se pais olhassem os seus filhos desde pequenos e pudessem notar neles a aflição de ser “diferente”, poupariam uma vida adulta sofrida e os ajudariam a serem mais feliz e libertos.

Vivemos numa sociedade machista? Sem dúvida. Vivemos numa sociedade religiosamente hipócrita? Sem dúvida! Mas também vivemos numa sociedade clara, que explica, que tenta fazer entender que não é uma escolha, é uma condição. Não há culpados. O meio não transforma ninguém em gay, muito menos a criação.

Pais, olhem seus filhos sem filtros. Será mais fácil aceita-los. Que sejam crianças, adolescentes ou mesmo adultos. Apenas enxergue-os. Não os faça casar e construir uma família de açúcar que se desmanchará inevitavelmente em algum momento da história.
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Todos têm o direito de viverem as experiências que quiserem para se compreender. Só não se enganem. Isso só prolongará o sofrimento.

Na casa do vizinho eu aceito, na minha não.

Isso é triste, enfadonho e gerador de tristezas. Abram os olhos e aceitem. É mais fácil, afinal somos todos humanos, passiveis de erros, mas não de crueldades.

AMOR DE MÃE

É difícil para um homem, normativamente masculino, cisgênero, como dizem hoje, sem filhos, entender a complexidade do que é “ser mãe”.

A minha já se foi há alguns anos, e dramática como era, reclamava o tempo todo do seu papel principal, o de ser mãe. Mesmo assim, com todos defeitos e virtudes de um ser humano imperfeito ela foi sim, um exemplo a ser seguido. O que para nós filhos engrandece o coração é escutar estranhos lamentarem sua ausência. Talvez a melhor de suas qualidades era o de não guardar rancor, mágoas ou qualquer tipo de sentimentos ruins acerca de outros. Apanhou da vida, foi traída por amigos, ridicularizada por sua ingenuidade, mas firme e forte no propósito de criar os filhos da melhor forma que conseguisse, sozinha, por que a quem escolheu para compartilhar a tarefa estava mais preocupado com o universo em torno de seu umbigo masculino – o tipo que acreditou uma vida toda que o seu único papel era prover a casa.

Lourdes – o personagem de Regina Casé em Amor de Mãe,  talvez seja a colcha de retalhos de diversas mulheres genitoras, solitárias na função de criar e educar. E muitas vezes vejo no afeto, no carinho da mão que parece proteger o filho como uma grande asa a resguarda-lo, gestos da minha mãe.
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Não tenho como afirmar que em outros países existam mulheres como as brasileiras mães. Aqui temos essa coisa “passional, visceral, dramática”, que compõe personagens anônimas onde quer que olhemos. As vezes penso que a ignorância cultural de algumas é o que as fortalece na briga pelo espaço de onde colocar sua cria. Conheço exemplos maravilhosos de mulheres assim.

Tenho o privilégio de ter desfrutado da história de muitas delas. Brincava dizendo que tinha várias mães, o que causava enorme ciúme na minha de verdade. Vi mãe que criou sozinha seus filhos, outra que foi o alicerce de uma casa onde o marido, muitas vezes ausente, estava pelo mundo a pastorear ovelhas na tarefa árdua de conduzi-las ao bem maior. Mães que lutavam como leoas para proteger sua prole. Vi, enxerguei cada uma delas.

Tenho uma sogra que é o exemplo de tudo isso junto. Uma força tão grande que as vezes não entendo como cabe dentro de um corpo pequeno. Uma Lourdes que nunca descansa, nunca para de lutar. Uma mulher tão igual a milhares de mães desse pais, que pegou cada um de seus filhos e olhou nos olhos para mostrar a realidade da vida. Uma mãe que muitos esqueceram que era mulher. Uma vítima, como tantas, do machismo exacerbado de homens fracos que batem no peito como gorilas para impressionar as fêmeas do bando. Uma mulher com hombridade e respeito pelo próximo. Uma mão estendida até para os algozes que muitas vezes lhe tiraram o sorriso. Sorriso esse que se abre a cada um que se abriga no seu gigantesco abraço.

Seriamos um mundo melhor se existissem mais homens “ mães”. Há uma grande diferença nas gerações dos anos 2000. Uma leveza, uma maior percepção do cuidar. Estamos longe de termos igualdade dentro dos lares, mas já existe sim uma grande porcentagem de “caras” de respeito. Somos um pais atrasado, que dá três passos para frente e cinco para trás, mas mesmo assim, alguns andam para o lado e saem do estigma do macho provedor.

Mãe...para quem ainda desfruta da mão protetora (não existe idade para isso, basta sua presença) regozije-se!!! O amor de mãe é insubstituível...