AS TIAS DO PASSADO

Tive uma infância recheada de tias avós excêntricas que se encontravam toda semana para infindáveis cafés da tarde.

Minha avó era a caçula de 12 irmãos, e eu o caçula da família inteira. Então sobrava para pequeno a obrigação de acompanhar a mãe e a vó nas visitas semanais. De inicio era tudo muito cansativo, depois passou a ser interessante, até que essas idas a casa das “parentas” era algo divertidíssimo, extraordinário.

Como disse, dos 12 filhos, 3 eram homens e o restante mulheres. Cada uma delas tinha uma personalidade distinta, com filhos tão estranhos como elas. Era um misto de família Adams, Buscapé, e tudo que existir de esdruxulo no mundo.

Todos tinham apelidos de cães e gatos, mimi, totó, nenê, lico, dudu e por aí afora. A minha avó era “mocinha” por ser a mais nova.

Hoje vou falar da tia “econômica”. Morava no centro da cidade, num lugar privilegiado nos áureos tempos do bonde, depois um antro de vadiagem. Em frente ao seu apartamento havia um cinema, que frequentei muito. A mãe me deixava com minha irmã e controlava a saída da janela do edifício. Mais tarde esse cinema virou de exibição exclusiva de pornôs, mais tarde um varejão...rs.

A tia econômica era “chiquérrima” como se autodenominava. Tinha um leve sotaque carioca, pelos anos que viveu no Rio. O apartamento era decorado como o de toda tia rica, ou metida a rica que se possa ter ideia.

Ela fazia um delicioso sagu com creme de leite que nunca mais comi na minha vida. Mas assim, eu era criança e tinha que lanchar de qualquer jeito na casa dela, não tinha escapatória. Mas criança sente fome, e quando chegávamos logo me serviam alguma guloseima, que era descontado quando sentávamos a mesa pra lanchar. Se comece um doce na chegada, não tinha direito a outro. Se me serviam um pastel, minha parte já estava comida.

O café era coado duas vezes, a primeira servido preto mesmo para os adultos, e o segundo, bem mais fraco ( uma agua de barrela) que era dado a mim com leite ( que também era misturado com agua). Lembro certa vez que a prima fez um bolo de café inventado. Colocou 3 colheres de nescafé na massa e ficou um lixo. A tia chorava aos prontos impedindo todos de comer aquela porcaria, que seria jogado no lixo, desperdiçando todos os ingredientes. Bradava aos céus por isso.

Quando minha irmã ficou adolescente deram um livro de receitas que indicava como fazer um frango para 15 dias, arroz para 10 dias, feijão saboroso para 7 dias. Isso tudo numa época que não existia freezer e muito menos microondas.

Certa vez a tia mandou que me servissem sorvete com chantibon ( chantilly antigo da Kibon). O negócio tinha vida própria, peludo, verde, com verrugas. Quando anunciado que o treco estava daquele jeito, a tia pegou o pote e comeu tudo, arredando a camada peluda. Alegou que era bom pra saúde, e jamais desperdiçaria algo tão caro.

A tia econômica deixou tanta saudade. Daria o que fosse pra voltar naquela casa e lanchar uma tarde com ela.

Abraço a todos, e boa quarta feira.

9 comentários:

Tatinha disse...

Você agora me fez lembrar de minha infância!!! hehahheh Igualzinho, tal e qual...
Temos um blog da "familia", onde uma prima tenta às vezes descrever estas lembranças gostosas.
Nada como ter familia e historia, não é mesmo?
Tendo tempo, dê uma olhadinha lá : parentesqueridosparentes.blogspot.com
Bom dia procê!

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

Sempre nos lembraremos com saudades de nossos momentos de infância ... todos temos nossas histórias para contar e isto é uma delícia.

bjão querido

CIELLO disse...

Sagu... ai sagu! mamae fazia com vinho, pros adultos e de alguma coisa vermelha doce pra mim! Chantibon... ahhhhhh delicia... como ler essas memórias... impossível não se identificar em alguma passagem...

muito bom estar aqui... obrigado Jamal...

bjo e otima quarta!

CIELLO disse...

Ahhhhhhhhh... eu tento igual a ti me lembrar do passado e esquecer do presente de alguns personagens de nossa infancia.. que entraram e decadência...
Ah... sobre a Céu... eu fui apresentado faz um tempo... lá no Panamericano.. na abertura... a moça me convenceu...

bjaum...

Ouça Roberta Sá e me conta depois!

Mylla Galvão disse...

Rafa,
Adorei o chantibom com a camada peluda... ri até chorar...
Memórias são belas mesmo...
O que é bom não volta mais!
Resta ao homem inventar uma máquina do tempo...

bjo

Cris disse...

To rindo até agora... O episódio do chantibom é federal....kkkkkkkkkk

Haja fígado pra aguentar isso!

Seu texto me fez lembrar de uma frase de um livro da Liv Ullmann: saudades da tristeza.

Na verdade, não era tristeza e nem era ruim. A gente que não se dava conta o quanto tudo isso mais tarde seria saudade e alegria.

Tá inspirado, heim?

beijos

Lobo disse...

Minhas experiência com tias costumavam ser traumáticas... Saudade nenhuma daqueles tempos ahauahau

Abração Rafa!

Euzer Lopes disse...

Rapaz do céu!
Voltei longe no tempo. Meus seis, sete anos, na casa da minha avó, comendo doce de laranja. Uma coisa alucinante que ela fazia num tacho de ferro, com muito açúcar queimado e toneladas de cascas de laranja.
A gente comia horrores aquilo aos domingos quando mãe ia visitá-la. Eu tinha até segunda de manhã para me recuperar da deliciosa diarréia e esperar o próximo fim de semana para comer de novo aquela maravilha.
Bons tempos.

www.meioameioblog.blogspot.com

Unknown disse...

Tadinha dela, tenho dó dessas pessoinhas que se privam de tudo, que maquinam tudo que vai ser gasto no mês como se imprevistos nunca acontecessem e nossa vidinha pudesse ser programada numa calculadora. Tive parentes assim tb, morreram de forma ordinária, não se permitiam sequer viajar, se tratar com médicos bons pq já ficavam racionando o valor da clínica ou hospital, que nunca viajavam a passeio só a negócios ou saúde e mesmo assim qd já estavam nas últimas... comer fora vez ou outra e em lugares decentes, nem pensar! vestir e usar coisas boas, fora de cogitação, a regra eram sempre as liquidações da vida! Viveram num pão-durismo férreo e morreram como estúpidos zombados e tripudiados por todos, que hj ao lembrarem deles ainda riem, inclusive eu, rsrsrs... Credo, melhor seria terem se enterrado em vida.